terça-feira, 15 de janeiro de 2013

O tempo circular

Sempre me perguntam como consigo fazer tantas coisas ao mesmo tempo. Já formulei várias teorias a respeito, mas desde menina separava os meus assuntos em "gavetas aéreas", onde eu deixava o que tinha para fazer "esperando", até eu poder resolvê-las ou terminá-las. Claro que não se trata de um método científico, mas funciona bem quando eu tenho de "esquecer" um assunto por algum tempo para poder tratar de outro, então, quando resolvo trocar de assunto, coloco o que estou fazendo numa "gaveta  aérea" e abro outra e tiro dali o que deixei de molho. Prático, não?

Pode não parecer muito organizado, mas é assim que penso em várias coisas ao mesmo tempo enquanto estou trabalhando. Posso me concentrar numa questão que precise de solução imediata, e só passar para outra, depois de resolvê-la. Em geral, me dizem que não conseguem fazer mais de uma coisa ao longo do dia, ou não assumem vários papéis nas 24 horas que temos para deliberar, mas eu passo de um a outro como quem troca de canal. Acho que me habituei a fazer isso desde pequena, quando falava várias línguas concomitantemente: português, com meus pais, espanhol com meus coleguinhas, inglês com a professora do maternal e francês com minha babá suíça. Eu morava no Uruguai, então isso foi necessário, além de circunstancial, mas deve ter enraizado em mim o hábito de fazer coisas distintas, para pessoas diferentes, como se operasse uma grande orquestra, e cada um tocasse seu instrumento, e eu tivesse de entender o que cada um estava fazendo.

Pode ser que nunca exijam fazer coisas diferentes como aconteceu comigo, mas temos a capacidade inerente de somar conhecimentos diversos para aprender novas coisas. Essa é a base do raciocínio, partir de coisas conhecidas para coisas desconhecidas, então, por analogia, chegamos a conclusões sobre tudo que nos cerca, seja novo ou antigo. E o tempo é o mais antigo aliado do ser humano. Ou inimigo. Depende do lado que se olha a questão.

O tempo é uma medida circular, que gira em torno de si mesmo, e avança em espiral sobre um centro imaginário, onde estamos nós vivendo tudo que nos cerca. Sabemos, por experiência, que tudo que vai, volta, que tudo que começa acaba, que o melhor está no fim, ri melhor quem ri por último, que existe o tempo absoluto e o relativo, mas tudo acaba em pizza, quando não sabemos o que fazer do nosso tempo.

Por isso parei para refletir sobre o tempo e chegar a algumas conclusões, pois, se não podemos atrasá-lo nem avançá-lo, seria bom saber do que ele é feito, e o que fazer com ele, pois ele nos serve, como servimos a ele, ele nos conduz e fazemos dele o que queremos, ele nos apressa, e nós nos atrasamos, mas também podemos mudá-lo, reconvencioná-lo e descobrir que não precisamos olhar para o relógio para sentir o tempo passar, mas às vezes ele para, ou se torna eterno em nossa memória.

O tempo pode ser medido por ampulhetas, relógios analógicos ou digitais, relógios de sol quando há sol, e também pode ser deixado de lado, e também existe o tempo sideral, contado em anos-luz, que nada tem a ver com o tempo da Terra.

Quem inventou o tempo sabia o que estava fazendo, mas acabou com a possibilidade de pará-lo, enquanto dermos a ele toda essa importância. É certo que o tempo passa, e não podemos brincar com ele, pois ele não retorna, mas há coisas que acontecem novamente, que se repetem como experiências elípticas, para que passemos pela mesma situação e finalmente aprendamos.

O tempo é circular, e tudo que fazemos (como prova o próprio movimento da Terra), é dar a volta em torno de nós mesmos, como o planeta gira em torno do Sol e tudo gira em torno de mais alguma coisa e não temos a menor ideia de por que nos repetimos e temos a sensação, talvez falsa, de estarmos evoluindo.

Falsa, porque podemos evoluir ou involuir. Podemos apenas aprender a fazer diferente para obter o mesmo resultado. Passamos por experiências que detestamos ter passado, que, se possível, voltaríamos para desfazer aquele gesto, aquele ato, ou desdizer aquela palavra. Por quê? Por que não acertamos de primeira? Somos tão ignorantes assim?

Sim. Somos maxi ignorantes. Ensinaram-nos tudo, menos a aprender a usar o tempo e ter o poder de decisão para saber o que fazer melhor com ele. Para que viver para se arrepender? Por que não aprender como não errar? A voz da experiência fica rouca de tanto gritar para a gente não ir por ali...

Tudo é experiência e a primeira aprendizagem com o tempo é que tudo é tentativa de acerto. Ninguém faz nada para errar. Faz algo para acertar, mas faz errado, não mediu as consequências, não equilibrou o peso das palavras, não pensou antes de agir. E quando se tem de tomar uma decisão rápida e se erra na escolha? É porque não está habituado a decidir. E como se aprende isso? Decidindo.

Desde pequenos devemos ser convocados a decidir (para saber usar o nosso tempo), que roupa vestir, o que comer, onde ir, que sapato calçar, fazer ou não fazer alguma coisa, ler ou não ler um livro, ou que história ler antes de dormir. Quando somos pequenos devemos de ser ensinados a escolher, porque um dia não haverá mais papai e mamãe para decidir e escolher por nós, então, assim os que pequerruchos puderem tomar suas próprias decisões sobre assuntos que lhes dizem respeito, perguntem o que eles querem e respeitem suas decisões.

Não é assim que os adultos fazem? Por que pequenos não podem decidir sobre seu mundo direto e serem donos de suas decisões? Uma vez, uma menina de sete anos não queria ir à festa de casamento da prima, mas, em vez de manifestar sua aversão, estava se lamuriando por ser obrigada a ir. Então, a mãe lhe disse:

- Uma festa de casamento é para você se divertir, se você não tem vontade de ir, não deve ir ao casamento.
- Ah, mas minha irmã vai... - ela respondeu.
- Ela vai porque quer.
- Mas minha avó vai ficar chateada se eu não for.
A mãe perguntou:
- O que você prefere: sua avó chateada ou você chateada?
A menina arregalou os olhos e perguntou:
- Então, eu posso "não" ir?
- Sim - a mãe respondeu, - você pode "não" ir, se não quiser.

Para a menina, aquilo era algo totalmente novo. Ela não era obrigada a ir a uma festa de casamento que ela achava que seria chatíssima. E ela não foi. A mãe nunca perguntou por que ela não queria ir, mas a menina aprendeu a dizer "não". E o mundo não acabou por causa disso.

Saber o que fazer com seu tempo, ou saber fazer escolhas, é fundamental para não se sentir frustrado depois. Escolher algo e fazê-lo até o fim é um dos princípios básicos para aprender a ser feliz. Ninguém é feliz fazendo o que não quer. Para tudo há limites. E para nós também. Não podemos nos impor algo que não queremos fazer. Além de ser um cerceamento à liberdade de escolha, é um aviltamento da vontade, seja em que idade for.

O tempo, nesse momento, se torna nosso, e sabemos muito bem como cuidar daquilo que conquistamos.

Rio de Janeiro, 15 de janeiro de 2013 - 23h56




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